O pátio é um elemento arquitetônico essencial em muitas culturas. No Brasil, encontramos exemplos dele tanto em edifícios antigos de influência portuguesa como na arquitetura moderna do século passado. Seu uso é frequentemente associado a benefícios bioclimáticos - melhorias na ventilação e iluminação naturais nos espaços internos - mas ele pode conotar muito mais do que isso. O vazio que representa, uma subtração no volume construído, pode estabelecer relações geométricas e visuais inesperadas e estimular diálogos cruzados entre diferentes partes do edifício.
Os exemplos reunidos a seguir nos ensinam como o pátio, ou melhor, o vazio, pode complexificar uma obra.
Casa 239 / UNA Arquitetos
A Casa 239, projetada por Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara e Fernando Viégas em 2012, apresenta uma geometria complexa que é, todavia, uma derivação do perímetro do terreno, quase plano e de proporção trapezoidal. Sua forma irregular é resultado de uma operação de subtração em um poliedro cujo contorno é similar ao do lote.
A estrutura da casa é de concreto e a sustentação das lajes do primeiro pavimento e da cobertura é feita por empenas perimetrais, dispensando pilares no interior das plantas. Além do concreto, a madeira tem forte presença material, sendo empregada nos caixilhos das janelas e portas.
O programa divide os usos coletivos e íntimos entre os dois pavimentos. No térreo, sala de jantar, de estar e cozinha se voltam para um pátio interno em forma de trapézio irregular e uma jabuticabeira quinquagenária; o primeiro pavimento, por sua vez, abriga os quartos das crianças, que têm vista para a rua, o quarto dos pais e uma pequena sala de estar, ambos voltados para o pátio. A cobertura, na altura das copas das árvores localizadas nas bordas do terreno, recebe uma piscina e um terraço.
À diferença de estratégias vistas com mais frequência que favorecem a ortogonalidade, este projeto abraça a especificidade local. A irregularidade dos contornos da casa, resultado do desenho incomum do lote, se estende também para o recorte que dá origem ao pátio. Em um movimento de dobra, ou retorno, a arquitetura estabelece uma espécie de diálogo ontológico, uma reflexão dela mesma.
Casa na Lapa / Brasil Arquitetura
Implantada em um lote de acentuado aclive, a Casa na Lapa, projetada em 2009 por Marcelo Ferraz, Francisco Fanucci e Anne Dieterich, apresenta um térreo elevado que aproveita a cota natural do terreno e busca, através de uma escada coberta por uma marquise de concreto, o habitante na cota da rua mais abaixo.
O térreo da residência é organizado em três porções que recebem programas com níveis diferentes de privacidade. Na parte frontal do terreno, um volume transversal ocupa boa parte da largura do lote e abriga a sala de estar; aos fundos, um segundo volume na mesma orientação recebe outra sala, menor, e um escritório que se prolongam para uma área de lazer aberta, porém coberta. Conectando estes dois volumes, um terceiro, longitudinal, abriga a cozinha e a sala de jantar. Uma grande parede vermelha transpassa o térreo, define e conecta os ambientes, e envolve um lavabo em uma de suas extremidades.
Os interiores do térreo são unificados pela materialidade do piso, em ladrilho hidráulico, e da laje, em concreto aparente com o relevo da fôrma de madeira. Esta, em alguns pontos, se estende para fora, conformando uma marquise que faz a transição entre os espaços internos e um jardim central gramado.
O pavimento superior, por sua vez, se distribui em duas porções independentes. À frente, sobre a sala de estar, uma edícula recebe a área de lazer com churrasqueira, jardim e deck com ampla vista para os arredores. Aos fundos, o bloco mais privado abriga quatro dormitórios que se voltam para o jardim central e serve de cobertura para a área de lazer inferior.
O jardim, que pela disposição do térreo adquire aspecto de pátio lateral, oferece não apenas contato direto com o exterior, mas um verdadeiro diálogo cruzado entre os espaços domésticos, possibilitado pela transparência dos fechamentos.
Casa LEnS / Obra Arquitetos
Implantada em um lote em aclive situado no município de São José dos Campos, interior de São Paulo, a Casa LEnS foi projetada pelo escritório Obra Arquitetos em 2015 e concluída um ano depois. Volumetricamente, é definida por sua estrutura em concreto - lajes, pilares e empenas compõem um arranjo de caixas vazadas que acompanham a variação de cota do perfil natural do terreno.
O vidro é empregado nos fechamentos da casa de modo que, junto do concreto, constitui parte essencial da materialidade da edificação. Algumas aberturas, quando a orientação solar faz necessário, recebem ainda painéis móveis compostos por ripas verticais de madeira para sombreamento.
A residência é acessada pelo nível da garagem, de onde parte uma escada em dois lances que alcança o pavimento onde se organiza praticamente todo o programa doméstico. Um espaço contínuo que ocupa a porção frontal da casa une cozinha, sala de jantar e de estar. Na parte posterior da planta, um escritório se abre para os fundos do terreno e também dá acesso a um dormitório no pavimento superior. Meio nível acima do pavimento principal, acessada por um lance de escada, está a suíte do casal, aberta para os fundos do terreno e para o jardim central.
A cobertura da residência, acessada tanto pelo quarto superior quanto por um lance de escada que parte do jardim, constitui verdadeira área de lazer com grama e vegetação de pequeno porte, dividida em dois níveis que acompanham a variação da planta interna.
Uma superfície curva de vidro faz a distinção entre o espaço doméstico interno e o jardim central em aclive, rico em vegetação. A geometria côncava, como uma lente, rende à casa seu nome, mas também abraça o jardim num gesto delicado, resguardando este espaço familiar dos olhos da rua.
Casa Mipibu / Terra e Tuma Arquitetos Associados
Projetada pelo escritório Terra e Tuma Arquitetos Associados em 2015 e concluída um ano depois, a Casa Mipibu foi construída em um estreito terreno de 5,60 metros de largura por 30 metros de comprimento na capital paulistana.
As limitações físicas do lote e as exigências do programa, extenso para uma residência, constituíram verdadeiro desafio de projeto que foi solucionado por uma estratégia de inversão - tanto das aberturas, que se voltam para dentro da casa, quanto da ordenação dos usos, que posiciona os ambientes íntimos no térreo e os sociais no pavimento superior.
A previsão de verticalização do entorno levou os arquitetos a optarem por encerrar o programa doméstico entre duas empenas cegas de alvenaria de bloco de concreto aparente que se prolongam por toda a extensão do lote. Dentro delas, o térreo abriga dois dormitórios e um escritório, intercalados por pequenos pátios com vegetação e água. Um nível acima, o programa social, composto por cozinha, sala de jantar, sala de estar e áreas de convívio abertas, se conecta diretamente com a cobertura, que serve como sua extensão.
Fechando-se para o entorno, a residência procura em seu próprio espaço interno o contato com o mundo exterior. Os dois vazios, que se consubstanciam no térreo na forma de um espelho d´água e um pátio, transpassam verticalmente a residência, abrindo-se para o céu, trazendo o sol e o vento para o espaço de resguardo doméstico. Ademais, permitem vistas cruzadas que atravessam níveis e estabelecem relações outras entre os recintos.
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Este artigo é uma adaptação do texto curatorial que acompanha a exposição Casas Paulistas 2000|2017, em exibição em Matera (Itália) e São Paulo entre setembro e novembro de 2019. A mostra tem curadoria de Romullo Baratto, concepção de Ruben Otero, imagens produzidas por Nichollas Rottmann e projeto gráfico da Três Design.